Carlos Alberto Mattos
Filme Cultura; mantém o blog Carmattos

Quantos filmes você vê por ano ou por mês? O que pensa desta quantidade? Qual a sua relação com o circuito comercial?

Eu diria que a minha média é de 25 filmes por mês, considerando os que vejo em circuito, em mostras e festivais e ainda em casa. Acho que é uma quantidade razoável para alguém que trabalha profissionalmente no setor. Procuro ver os filmes que julgo de alguma importância no circuito comercial, mas cada vez sou mais seletivo nisso. Muitos desses lançamentos começam a ser vistos antecipadamente, obtidos através da internet. Nesse volume incluem-se os filmes que vejo/revejo em função de pesquisas e trabalhos específicos.

Que qualidades você valoriza em um crítico?

Capacidade de perceber a proposta de cada filme e apreciá-lo no bojo de sua proposta, sem necessariamente se abster de avaliar a proposta. Julgo importante estabelecer relações férteis na análise do filme, seja com o próprio cinema ou com o contexto cultural e político. Valorizo o texto claro e bem escrito, que tenha também sua beleza e seu ritmo. Crítica, para mim, é um gênero literário.

Enquanto crítico, você pensa no que ficará de um filme daqui a 10 anos?

Normalmente não penso nisso. A crítica de recepção do filme se liga no seu efeito sobre o presente. Claro que, ao abordar o cinema historicamente, num ensaio ou trabalho de pesquisa, essa permanência será normalmente considerada. Mas não como um critério a priori.

Como você avalia a influência da crítica no meio cinematográfico (realização, distribuição, público etc.)?

No Brasil, acho que é praticamente nenhuma em relação aos realizadores (a não ser no campo dos documentários), muito pouca em relação aos distribuidores e relativa em relação aos espectadores. Para o chamado público médio (que vai ao cinema como programa de lazer e não como cinefilia), a crítica tradicional dos grandes jornais ainda exerce sensível influência. Para os cinéfilos, gente do meio cultural e estudantes de cinema, a “nova” crítica da internet conta como ferramenta de diálogo e convivência com a reflexão sobre os filmes.

Quem é o público leitor de crítica? Você pensa de que maneira serão recebidos seus textos?

Quando escrevia para grandes jornais, eu não tinha a menor ideia de quem leria meus textos, nem como eles seriam recebidos. Ultimamente, circulando os textos somente na web (blog, redes sociais), já sei com mais precisão quem os lê e como lê. A gente passa a “conhecer” nosso pequeno público de amigos, apreciadores dos meus textos, curiosos e interessados, além de gente do meio, e a interação é mais frequente e imediata. Isso acaba direcionando um pouco minhas abordagens para criar um certo diálogo com esse público. Isso influi na escolha dos filmes sobre os quais me manifesto e dos aspectos que decido abordar. O tom mais pessoal dos textos também é resultado dessa relativa intimidade. “Meu público” acaba ficando um pouco parecido comigo mesmo.

Você considera que a crítica é influenciada pela visão política e por valores pessoais? Como você avalia isso?

Não acredito que ninguém esteja imune a essa influência. Os valores pessoais e a visão política atuam clara ou sorrateiramente, muitas vezes sem que o autor perceba. Valores que são tomados como “universais” podem refletir escolhas bastante definidas. Para mim é absolutamente natural criticar aspectos de filmes que contrariam esses meus valores. Faço isso claramente. Muitas vezes, até por escolher com liberdade meus assuntos, deixo de lado os filmes que ofendem esses meus valores. Não topo Clint Eastwood, por exemplo, nem os filmes de ação que fazem apologia das armas e da violência. Fui um dos que engrossaram a denúncia de “Tropa de Elite” como um filme fascista, e isso interferiu na minha avaliação estética do filme. Enfim, não dá pra separar.

O que o leva a ler/escrever uma crítica?

O interesse pelo filme – seja pela admiração, pelo enigma ou pela rejeição. Leio outros críticos geralmente depois de escrever meu próprio texto com o intuito de confrontar minha opinião com a de colegas. Nos últimos 10 anos tenho escrito muito sobre documentários, pois achava que havia pouca massa crítica sobre esse tipo de filme no Brasil. Hoje em dia, não é mais o caso, mas continuo refletindo e escrevendo muito sobre docs.

Considera que, no seu trabalho crítico, há uma diferença de abordagem para os filmes brasileiros?

Mente todo aquele que negar isso. Os filmes brasileiros nos interpelam mais agudamente, ao mesmo tempo em que nos “incluem” diretamente no seu processo de existência. Daí a responsabilidade crescer e os critérios se afinarem de maneira especial. Existe uma dialética entre a generosidade e a cobrança que se instala a cada filme e a cada texto. O resultado – o texto – depende da balança de cada crítico entre esses dois polos.

Diga honestamente o que você pensa do panorama da crítica de cinema no Brasil hoje. É positivo ou negativo?

Acho positivo, sinceramente. Não há mais o exercício de “poder” de outros tempos, nem a voz de poucos para muitos. A crítica hoje está disseminada em forma de diálogo com o público através da web, principalmente. É um panorama de certa diluição, sem dúvida, mas de uma extensão incrível. A crítica caminha no sentido de deixar de ser uma manifestação “nobre” para ser uma atividade cotidiana e generalizada. Se toda a produção artística caminha nesse sentido, por que a crítica não haveria de caminhar? Nesse quadro, cresce a importância do que eu chamo de “criadoria” – ou seja, dos curadores que criam. Localizar nessa massa diluída as linhas de pensamento e as vozes que vale a pena ouvir tornou-se uma ação fundamental.


 Abril de 2013