Tiradentes, de Oswaldo Caldeira (Brasil, 1997)

Tiradentes, Inconfidência Mineira, fabúla de república. Fábula de Brasil, logo. E em que Brasil estamos? Num país de heróis, guerreiros e pioneiros? Não. Num país de covardes, tresloucados e delatores. E a quem, na segunda metade do filme, é reservado o direitor de narrar a história dos inconfidentes? Aos heróis, aos guerreiros? Não, ao delator Joaquim Silvério dos Reis. Cada diretor escolhe o personagem que lhe apetece, sabemos. Nesse caso, isso nos diz muito. Se a direita hoje já tem seus poetas e suas bravas revistas de "cultura", com Tiradentes tem também a sua interpretação da Inconfidência Mineira — antes nas mãos de um verdadeiro cineasta, Joaquim Pedro de Andrade.

Pois o 'herói' Tiradentes, além de ser o ator Humberto Martins (escolha esperta tanto ideológica quanto comercialmente), é um idiota, um louco (vê imagens que 'não existem'), promete prêmios republicanos às prostitutas e negligencia a esposa. Não sei se na verdade foi assim, nem me interessa. O filme pode até ter sido um trabalho de pesquisa, mas esse não é o seu fim. O diretor Oswaldo Caldeira nos diz: é ficção! Deve ser mesmo, pois duvido que na época houvesse tanta mulher pelada nas ruas de Minas Gerais — a ponto de corar até um Neville d'Almeida, cineasta que inclusive é muito mais competente na 'estética da bandalha' que propõe.

Mas o alferes Tiradentes também é um obscurantista: obriga os outros a repetir palavras de ordem que não entendem. Seus parceiros inconfidentes podem nao ser imbecis como ele, mas são todos covardes e aproveitadores. Silvério dos Reis também, Caldeira não nega, mas ele tem direito a um monólogo frente-a-frente com o espectador, e tenta fazer do Brasil o que 16060 de Vinícius Mainardi já tentava: um país de imbecis, covardes e aproveitadores, onde a única intelectualidade está no fora-de-campo da câmara: o diretor e sua equipe. Impostura cinematográfica, pois.

É inútil falar do resto, porque cinema não há. Num momento pode até parecer teatro brechtiano, mas é furo na produção mesmo. De brechtiano não tem nada, de teatro tem muito: as interpretações são, hã, inadequadas. Filmes piedosos merecem críticas piedosas, talvez. Mas filmes arrogantes certamente merecem críticas arrogantes, ainda mais se é para chamar o espectador de idiota. Não adianta falar da lamentável música de Waqgner Tiso, da achincalhante versão para "Blowin' In The Wind", da risível citação de Lou Reed. Pegue Carlos Coimbra, Paulo Thaigo e Fábio Barreto, tire o dinheiro da produção, a técnica 'correta' e você terá Tiradentes. "Helàs"...

Ruy Gardnier