Plano Geral
julho de 1999
4º Festival Brasileiro de Cinema UniversitárioEntre 23 de maio e 6 de julho desse ano, aconteceu o 4º Festival Brasileiro de Cinema Universitário, com base no cinema Estação Icaraí e filiais no Estação Botafogo (sala 2) e Cine Arte UFF. Além da já tradicional mostra competitiva de curtas-metragens, o festival contou ainda com uma grande retrospectiva dos filmes do diretor Carlos Reichenbach (veja entrevista e matéria com ele nesse número), uma vasta mostra informativa de vídeos universitários, além de filmes de escolas de cinema da Hungria, República Tcheca, Venezuela, Argentina e México. Uma mostra bastante peculiar, intitulada Espaço Memória, trouxe uma sessão especial dedicada à produtora Paraísos Artificiais, que entre 1992 e 1995 realizou diversos curtas-metragens em co-produção com a ECA-USP. Filmes de padrão experimental, inventivos e inteligentes, as produções da PA surpreendem pelo vigor criativo e pela permanência de quatro anos, uma raridade em se tratando de cinema de invenção. Filmes como Vampiro (dir. Marcelo Toledo) e Que Fim Levou a Mocinha da Sauna Mista? (dir. Paolo Gregori) encontram alguma filiação no ímpeto cinematográfico do cinema marginal: imagem precária, hipervalorização do ícone como signo imediato, culto do sujo. Juvenília (dir. Paulo Sacramento, foto), todo feito a partir de fotos, mostra que a juventude Malhação também pode ter outros fins. Mas o que é mais raro: todos os filmes, bem-sucedidos ou não, têm propostas estéticas vigorosas. Mas o verdadeiro objetivo do Festival é a Mostra Competitiva: pela primeira vez esse festival consegue ser anual e o número de curtas é maior (e a qualidade melhor) que o Festival do ano passado. O filme que mais impressiona é de primeira Família do Barulho, (foto) filme de Bernardo Spinelli feito em um só plano. Esquecido pela premiação, ganhou um prêmio especial das mãos de Carlos Reichenbach apelidado Prêmio Império do Desejo (o filme trata de relações entre membros da mesma família). Pretérito Perfeito, dirigido por Cris Siqueira e Georgia Guerra-Peixe, segue também o caminho dos relacionamentos amorosos: uma menina convence a amiga a praticar o aborto mas não sabe se aconselhou direito. Abismo (dir. Silvia Hayashi) é um pequeno filme baseado numa idéia simples: o que fazer quando não há mais onde pisar? Polêmica, de André Luiz Sampaio, foi o grande vencedor do Festival (foi um dos seis premiados e levou o prêmio de público). Sob pretexto de abordar a briga de sambas de Noel Rosa e Wilson Batista, realiza uma obra estranha que mantém vínculos estreitos com os filmes de Rogério Sganzerla (sobretudo Abismo) e Andrea Tonacci. A Lua, de Josias Pereira, escolha um caminho único no novo cinema brasileiro (para bem e para mal): misturar a gramática da novela com a do burlesco. O resultado ora escorrega no derrisório, ora na comédia de costumes, e o resultado final é positivo. Tá Na Mão (direção coletiva) é um filme com uma estética clara, um elogio à simplicidade, e traz semelhanças com o cinema de Sérgio Ricardo (especialmente o Menino da Calça Branca). WC e O Desenho Inacabado (dir. Dunia Salazar e Rosemery Saçashima) são dois desenhos animados interessantes, que se mostram mais interessados em idéias do que em efeitos. Também merecem menção o filme Os Quatro Fantásticos Contra-Atacam, espécie de piada-manifesto pelo cinema brasileiro, tão inteligente quanto engraçada; o filme Nocturnu, que mesmo com um enredo fraco, apresenta um trabalho competente na produção; e Oi Laura Oi Luís, filme que faz profissão de fé na contemporaneidade mas não consegue evitar certos clichês do gênero. Ruy Gardnier |
Antepassados do Dogma 95 No mês de junho, duas surpresas: a exibição pela TV a cabo de um filme em vídeo de Lars Von Trier, Medéia, e o primeiro filme de Thomas Vinterberg, Os Maiores Heróis, no Festival da Comunidade Européia, ocorrido simultaneamente à Cimeira no Espaço Unibanco de Cinema. As dúvidas que se têm a respeito da obra de Lars Von Trier podem todas ser tiradas com Medéia: feito em 1989 a partir de um roteiro não-filmado de Carl Theodor Dreyer, Medéia se quer não uma cópia do estilo-Dreyer, tão próprio e inimitável, mas apenas um ponto de partida para um caminho próprio. O vídeo é trabalhado para dar uma estranha granulação à imagem, que já revela o início do que faria o diretor com as cartelas de Ondas do Destino e com a série The Kingdom. Se a interpretação dos atores pode lembrar o estilo distanciado de Dreyer, na cenografia o filme é todo Von Trier: estranhamento, excesso de informação visual, cores antinaturalistas. Um filme a ser mais conhecido. Ao contrário de Os Maiores Heróis: visto junto com Jayme Chaves, chegou-se à conclusão de que os dez mandamentos do Dogma 95 fizeram um real bem a Thomas Vinterberg, sobretudo o que diz para não haver música que não seja acoplada à cena. A música de fundo e os clichês narrativos diluem todo o enredo (que apesar de tudo tem bons momentos) dessa simpática história de dois ladrões que fogem junto com uma menina (filha de um deles) para um recanto da Suécia. Mistura de Um Mundo Perfeito com Glória, falta a Os Grandes Heróis o que sobre nos filmes de Eastwood e Cassavetes: fuga do artificialismo, esforço sobre-humano de mise-en-scène. Sabemos que Vinterberg não tem passado; não sabemos se sobreviverá a seu Dogma. Já Lars Von Trier ultrapassa qualquer lista de regulamentos que venha a assinar. É artista verdadeiro, um dos maiores do cinema contemporâneo. Ruy Gardnier |