Momento de Afeto (The Winter Guest),
de Alan Rickman
(EUA, 1998)

Poucas vezes um filme foi recebido com tanta falta de compreensão pela crítica. Momento de Afeto é um complexo e belíssimo estudo da vida humana, usando uma cidadezinha litorânea inglesa como metáfora do mundo todo. Antes que se inicie uma discussão do filme, vale ressaltar ainda que da safra de curtas lançados pelo Estação, tentando sempre uma semelhança com o filme, a escalação de O Amor Materno de Fernando Bonassi junto a esse filme foi a mais feliz das escolhas até o momento. Não só pelo tema, mas também pela semelhança no tom dos filmes, no extremo rigor de Bonassi na montagem e direção de seu curta.

O trabalho de Alan Rickman mostra ao que vem já nas cenas iniciais onde vemos uma paisagem natural que não só cerca os personagens como os oprime e influi diretamente nos caminhos de suas vidas. O mar congelado, o branco absoluto, permitem além de imagens belíssimas, uma força simbólica de enfrentamento do desconhecido, do vazio, de proximidade ao divino muito grande (neste sentido, embora completamente diferentes tematica e estilisticamente, o visual e a força vital deste lembram o Fargo dos Irmãos Coen). Nesta paisagem desolada e desoladora, mas ainda assim misteriosamente bela, quatro histórias se desenvolverão. Este é um dos segredos do filme: aparentemente, exceto ocasionais encontros entre os personagens, as quatro narrativas não se ligariam. No entanto, do mosaico criado por elas surge um painel abrabgente da condição humana onde os principais temas serão a afetividade e o contato com a morte.

Rickman estrutura seu roteiro e monta o filme de uma forma curiosa pois os pulos entre as histórias acontecem nos momentos mais inesperados, ou até absurdos, com um resultado estético e de ritmo fílmico muito interessanets. Numa das histórias, uma mulher que recentemente perdeu o marido vive uma relação difícil com sua mãe, onde as duas tentam cuidar da outra. Em outra história, o filho da viúva vive um encontro amoroso com uma estranha garota. Enquanto isso, dois garotos matam aula e vão brincar perto do mar congelado. Finalmente, duas velhinhas vão a um enterro, sua atividade favorita.

Nas quatro histórias vemos personagens tentando lidar com o dilema de envelhecer (até mesmo os garotinhos), onde a melhor forma de se viver a vida enquanto a morte não chega é discutida. O contato afetivo não é fácil, e todos são pessoas endurecidas pela vida. Uma cena entre os jovens, na casa dele, que facilmente poderia transformar-se numa cena de sexo clichê, revla o quão difícil na vida real é se abrir para um outro, no fundo o que todos buscam. Até pela categoria assombrosa de Emma Thompson e Phyllida Law, o tema que sobressai é o da relação entre mãe e filha, ambas carentes, inseguras e sem saber como tocar a outra até quase o fim. No entanto, os relacionamentos todos são muito complexos, e em especial a relação dos personagens com a morte. O marido de Thompson e pai de seu filho morreu há pouco, e eles ainda lutam para reestabelecer suas identidades a partir disso. Phyllida Law sabe que a sua morte se aproxima. As duas velhinhas vão aos enterros até como forma de sublimar o medo extremo que a velhice lhes traz. Já o garotinho questiona de que vale viver uma vida onde os pais não têm tempo para os filhos, ninguém faz nada além de trabalhar sem se divertir. Para eles Ter todo o futuro pela frente parece tão difícil e tortuoso quanto Ter tão pouco tempo o é para os mais velhos. O filme se fecha num ciclo onde cada morrer é um nascer, mas cada nascer implica em morrer. Por isso mesmo os personagens vão dos mais jovens aos mais velhos, e a narrativa circula sem lógica aparente entre eles: são parte do mesmo ciclo.

No fim, do contato vem sempre a redenção e a única possível forma de atenuar nosso medo da morte. Assim sendo o filme é de um humanismo emocionante. Mãe e filha aprendem a viver juntas (ou melhor, a tentar fazê-lo da melhor forma), o filho ultrapassa a perda do pai ao conhecer o amor profundo, as duas velhinhas encontram amparo uma na outra. Já os garotinhos, eles decidem romper seu ciclo familiar, e andam para dentro do mar congelado rumo a um destino incerto e aventureiro. Para eles a morte é melhor que aquela falta de vida.

Cinematograficamente o filme é uma pérola, tanto por sua fotografia belíssima e trilha sonora climática, quanto especialmente pelo uso criativo da montagem e edição de som para criar significados em cada corte. Rickman extrai o máximo de seus atores sejam as fabulosas protagonistas ou as crianças, sempre com diálogos muito bem colocados. Um filme sutil, quieto, mas acima de tudo belo, emocionante, lírico até, e extremamente sério e seriamente concebido.

Eduardo Valente