L'Argent
(O Dinheiro)
(França, 1983)
Largent não escapa de um imperativo da obra de Bresson: aridez. O estilo seco que perfaz boa parte de seus filmes, expõe o drama dos seres comuns. Não há salvação. "Acreditei em Deus por três minutos": sabemos o quanto seus personagens bradam silenciosamente contra a criação. Mas em Largent há a construção de um diálogo imagético entre o homem e o poder do homem. Neste sentido, não há por que não aliar Largent ao raro Le Procés de Jeanne DArc. Ambos se utilizam do campo / contracampo, para realizar a exegese da angústia humana perante a incomunicabilidade: ora o inquisidor, ora a vítima. Esta angústia se dá, e não pretendo atribuir-lhe nenhum sentido filosófico, através da alienação. Tanto o rapaz de Largent quanto Jeanne, não possuem meios para lidar com as forças que os pressionam. Não se fazem entender por meio das palavras. Muito menos alcançam o direito de argumentação posto que, como uma força divina, o poder jurídico já possui um veredito apriori, no caso de Jeanne, e uma reincidência no caso do jovem Yvon Sarge.
É bem verdade que após a condenação, o filme toma ares becketianos. E dizemos isso ressaltando o espanto dos personagens que não são salvos pelo dinheiro. Becket é o autor do mínimo, do óbvio, que extrai de situações comuns, o espanto; que extrai reações dolorosamente humanas de situações condicionais; que fala de Deus na segunda pessoa e revela o absurdo do cotidiano; que nos mostra o quanto nossas vidas são mínimas, como suas peças. Mas Bresson não é Becket. Seu método de representar tal desespero se dá a partir de situações menos alegóricas que as de Becket. Ou melhor, não há uma alegoria explícita em Largent, visto que o real está exposto nestas relações típicas de nossa época: o homem que cai nas malhas da lei, um garoto mimado, salvo por largent, uma mulher que decide mudar de vida e algumas mortes. Ora, por que não dizer que este absurdo do cotidiano --- que tange a obra de becket --- , esta ausência, não está presente no Pickpocket? Ao final, o batedor de carteira pensa num caminho perdido e se "confessa" a outra Jeanne, presa nas malhas de outra justiça, que não a dos padres, mas a divina. Ambos os personagens de Pickpocket pagam suas penitências por uma incomunicabilidade semelhante a de Largent.
Há também no filme um questionamento: qual o parâmentro da justiça? Há a oposição entre o homem e o estado, além de todo aparato judiciário que o sustenta. São as forças que substituem o poder divino, peça-chave em sua obra. Como em Au Hasard, Balthazar, há Bresson e o destino e em Lancelot du Lac, há Bresson e a dúvida, ambos temas decorrentes de sua educação num colégio jansenista, em Largent: há uma apreciação da impotência do homem perante o estado, cuja manutenção se dá por um aparato judiciário.
Embora não arrisque apontar-lhe como um filme político, a derradeira obra de Bresson carrega uma enorme revolta contra as máquinas que aparatam o condicionamento do homem. Só que Largent é o filme que melhor explicita esta relação, não com o divino, mas com o poder dos homens. Bresson abre e fecha os espaços, tratando-os como objetos de representação dramática. Primeiramente há uma certa liberdade para servir à cidade e Yvon Sarge trabalha para sustentar a família; ele é acusado, absolvido e impelido a cometer outros crimes. Yvon vai do tribunal para a cadeia; da cadeia parte para o campo e, sem uma justificativa lógica, retornar voluntariosamente à cadeia, ou seja, ao mínimo espaço que ele acredita merecer. No bucolismo do campo, ele vislumbra outras "injustiças", insuportáveis para um homem, cuja vida fora transformada por um equívoco, que ele mesmo não compreende. Descobre que não há sentido fora da prisão, posto que este é o lugar reservado para os rebeldes apáticos, integrantes desta teia de danados.
Bernardo Oliveira