FESTIVAL DO RIO 99
críticas dos filmes em exibição

 Ghost Dog – The Way Of The Samurai, de Jim Jarmusch

EUA, 1999


Após a exibição de Ghost Dog, felizes que estávamos, produzimos uma discussão acerca do trabalho de Jim Jarmusch. Lamentamos ainda não termos visto o documentário com Neil Young (Year of the Horse, se não me engano), nem lembrarmos muito bem do curta Coffee and Cigarretes. Particularmente não sou um fã de Dead Man. Pouco me admirou este filme que já foi chamado de "faroeste metafísico", embora nutra por ele a mesma admiração. A questão descambou para a comparação (após a meia-noite, ela é inevitável) e tivemos que colocar as coisas neste nível: quem é o mais estranho, Jarmusch ou Cronenberg? Eu respondi Cronenberg, embora goste mais de Jarmusch. Meu interlocutor respondeu Jarmusch, embora goste mais de Cronenberg. E ele me convenceu. Não se trata de estranheza criada a partir de uma mistura de climas, diálogos, montagem, etc. A rigor, nesse sentido vago e estreito, todos os cineastas são estranhos e Peter Greenaway venceria a batalha. É objetivamente uma diferença de projeto. A maior surpresa que nos traz Ghost Dog é sua inserção na obra de Jarmusch. O barato é ver seus filmes de longe, em bloco.

Enquanto Greenaway, Cronenberg e irmãos Coen elevam seus projetos-objetos à décima potência, Jarmusch quebra a linha. Quer dizer, realiza uma síncope que é conduzida por um instinto anárquico. Por outro lado, subverte o sentido de "obra", pelo qual o artista deve obrigatoriamente responder e o substitui por "plano", sujeito à mudanças inesperadas. Ghost Dog é um filme inesperado.

Abordando uma questão cultural complexa e desconstruindo tipos do cinemão americano, Jarmusch monta uma fábula da Carochinha que tange o realismo fantástico, mas não é. Porque o realismo fantástico sempre partilha a história com a estória. Em Ghost Dog, a realidade é estranha nela mesma e as interferências, por assim dizer, inesperadas (para não dizer, "fantásticas") são apresentadas no mesmo plano. Isto quer dizer que, subitamente, somos surpreendidos por um gângster italiano fã de Flavor Flav e por detalhes bizarros como o cão vidente, a menina catatônica e o índio pacifista.

Deste modo, entendemos que Jarmusch leva seu trabalho muito pouco a sério. O que não quer dizer bagunça mas, antes, anarquia e descompromisso. Ghost Dog figura neste plano como peça de destaque, posta sua condição de estranho no ninho, tamanha é a diferença em relação aos outros filmes. Diferença e excelência nas dosagens precisas entre cenas tão absurdas e histriônicas.

Bernardo Oliveira