A Eternidade e um Dia (Mia Eoniotita ke mia Mera),
de Theo Angelopoulos (França/Itália/Grécia, 1998)

O Festival de Cannes acertou em cheio ao premiar o cinema do grego Theo Angelopoulos com a Palma de Ouro. Com este novo filme, o diretor de Paisagem na Neblina e Um Olhar a Cada Dia reúne características e peculiaridades que o colocam como um dos principais nomes do moderno cinema europeu. Assim como nos filmes citados, neste encontramos personagens em busca de respostas que permitam um acerto de contas consigo mesmos e com o passado, e também a relação destes personagens com a atual realidade sócio-política européia.

Não se trata, no entanto, de um filme político, no sentido amplo da palavra. Trata-se de um compêndio existencial elaborado com vistas a atingir um grau de lirismo único, em que o sentimento aflore sem parecer rasgado ou panfletário, em que a poesia, palavra-chave do filme, seja construída lentamente diante dos personagens e de nossos olhos. Essa é a busca de Alexander, o escritor em conflito magistralmente interpretado pelo ator Bruno Ganz.

Em sua trajetória, Alexander encontra um menino refugiado e inicia uma amizade marcada pelo compartilhamento de sensações, de experiências ligadas ao processo de construção de identidade, ao passo que vão observando e vivenciando situações que refletem a crueza das diferenças étnicas na Europa. Nestes momentos, sonho e imaginação convivem com realidade e presente. Longos planos-sequência marcam uma atmosfera onde muitos detalhes são evidenciados e criam significados nem sempre inteligíveis, ou seja, na medida em que cada movimento é acompanhado de forma integral, a câmera minuciosa capta as pequenas ações em sua grandiosidade, sem nunca revelar sentidos unívocos e sempre ampliando um leque de interpretações.

Triste, lento e belo, o filme começa num ponto e termina no mesmo. A circularidade temporal empreendida por Alexander vai e volta e permite o desdobramento de sua personalidade, mas nunca o entendimento completo. Assim como a névoa que permeia boa parte da história, essa personalidade nos é mostrada sem contornos nítidos, sem uma tentativa de fazer com que a conheçamos profundamente. Quando o filme acaba e o personagem aparece de costas para o espectador, proferindo as palavras "compradas", observamos perfeitamente isso e concluímos que explicações não existem. E só.

Algumas sequências são especialmente comoventes, como a do monte onde estão várias pessoas tentando atravessar a fronteira do país, e consequentemente do desconhecido, e a do ônibus, onde em poucos minutos uma infinidade de idéias é articulada: um casal discute, um manifestante dorme abraçado a uma bandeira vermelha (simbolizando talvez a decadência do comunismo), um grupo de músicos se apresenta e o poeta aparece em busca de mais palavras para sua poesia da existência. Ao final de tudo, Alexander e todos nós nos perguntamos: "Quanto tempo dura o amanhã?"

Vágner Rodrigues