Aprile, de Nanni Moretti (Itália, 1998)
Os que viram "Caro Diário" já foram apresentados ao estilo extremamente pessoal de Nanni Moretti, que realizou naquele um filme que misturava ficção, documentário, um diário pessoal e uma crônica da atualidade. Neste sentido, "Aprile" é uma continuação exata do filme, com uma diferença: neste novo esforço Moretti acerta a mão num daqueles momentos mágicos de um criador ( doa quais temos outro exemplo em cartaza, "Hana-Bi" ) onde tudo se encaixa e ele consegue realizar uma obra-prima. Sim, pois é isso que "Aprile" é: uma obra-prima. Moretti junta num filme uma crônica sobre a Itália dos anos 90 com suas vivências pessoais de quem vai ser pai, com a angústia de um cineasta em busca de caminhos artísticos para sua obra. O resultado é um filme ímpar no qual a alma de um país, os percalços de um criador e a grandeza do ser humano são misturados, e todos muito bem delineados.O formato episódico que às vezes complicava a fluência de "Caro Diário" funciona às mil maravilhas aqui, porque Moretti vai e vem e de fato extermina as fronteiras entre sua história pessoal e a da Itália. Como resultado o filme flui de forma deliciosa, com tiradas geniais, e cenas belíssimas. Não se enganem os que pensam que o que Moretti faz é como um home video documental, que qualquer um poderia fazer. A narrativa de "Aprile" é muito estudada e sua dramaturgia impecável. O fato de seu assunto ser o próprio Moretti, seu trabalho e seu país, apenas consegue dar ao filme uma genuinidade que de outra forma não seria possível, dado o desprendimento e intimidade de Moretti com os envolvidos. No entanto, cenas como a da passeata dos guarda-chuvas, do passeio de lambreta, do discurso em Hyde Park, do embrulho em jornais, nada disso é ocasional e sim fruto de um olhar emocional e estético de um grande cineasta observador da vida.
Além disso tudo, "Aprile" tem uma característica que o diferencia de tudo que se faz hoje: ele toma posição. Nanni faz um filme inegavelmente em primeira pessoa, ideológico, de esquerda. Mas não de esquerda partidária como ele deixa claro. De esquerda pelo seu humanismo. Em última instância o filme é isso: um grito de revolta por uma humanidade que nós só vemos num pai que quer um mundo melhor para seu filho. Se isso significa destruir a direita italiana, execrar em público o atual cinema hollywoodiano, questionar o que vale a pena artisticamente no mundo, que assim seja. Moretti não teme nada disso e por isso tudo fez um filme excepcional, uma ode ao ser humano, ao cinema, à criação, e ao combate às instituições do dia a dia que nos tentam distanciar disso tudo. Eduardo Valente