A Chinesa
(La Chinoise)
Juliet Berto em A ChinesaEm A Chinesa, num certo momento, Anne Wiazemski (a personagem universitária que quer destruir as universidades) explica a Juliet Berto (a camponesa que não entende nada de marxismo-leninismo) qual a importância da política na ação de um grupo revolucionário. Ao que a outra pergunta: "quer dizer então que a França de 1967 se assemelha a esses pratos sujos?" Em uma ocasião seguinte, Wiazemski explica a Guillaume (ator revolucionário brecthiano, Jean-Pierre Léaud) o que é lutar em duas frentes: lutar política e esteticamente.
Em A Chinesa, Godard nos dá várias definições de sua profissão de fé. Para além de todas considerações de previsão e análise sociológica a respeito desse filme, A Chinesa é, antes de qualquer coisa, o filme em que Godard mais claramente expõe o seu projeto e sua idéia do que seja fazer cinema. No final, no último plano do filme, ouvimos, num som off, "Certo, é ficção, mas me aproximou do real". Antes disso, num dos discursos de Kirilov, o suicida do filme (personagem emprestado d'Os Demônios de Dostoiévski), depois de ouvir que o efeito estético é imaginário, ele responde: "sim, mas este imaginário não é o reflexo do real, e sim o real deste reflexo".
Exatamente antes disso, o mesmo Kirilov dá o toque final (e definitivo) à função da arte para Godard (aliás, emprestado ipsis literis de Paul Klee): "a arte não reproduz o visível; ela torna visível". Nesse emaranhado de citações surge uma teoria estética godardiana, posta em prática já antes (Pierrot Le Fou, Duas ou Três Coisas...) ou depois (As Crianças Brincam de Rússia, Para Sempre Mozart). Se Godard filia-se histórica e esteticamente a Klee, a Brecht e a Henri Langlois. é para poder ver melhor. Ao contrário do que se fala, A Chinesa não é uma comédia sobre pseudo-revolucionários babacas ou qualquer coisa que o valha. De fato, o filme é muito mais um drama (ou uma tragédia, quem sabe?) sobre as ânsias de uma juventude para alçar o poder, o que aconteceria fora dos enquadramentos da câmera no ano seguinte (aliás, Godard foi às ruas em Maio). Já disseram que o filme é datado. Realmente, em A Chinesa sabemos exatamente em que época o filme se situa. Provavelmente quem falou achou que fazia uma crítica à "perenidade" da obra, mas na verdade revela apenas um aspecto de um trabalho maior. Se houvesse um A Chinesa a cada ano, o mundo iria melhor das pernas...
Ruy Gardnier